Diário da América do Sul em bicicleta reclinada – I

29.10 – Porto Alegre – Águas Claras

“Ai… Porto Alegre”. A voz da Renata ecoa nos ouvidos enquanto decidimos de ficar ou partir. A estância em casa de Thiago é simpática, eles fazem sentirmo-nos bem na cidade. Mas nós viemos aqui para pedalar. Ou seja, partir. E assim é, sábado de manhã arrumamos as nossas coisas e pomo-nos a pedalar. Antes de sair do centro aferimos numa loja de bicicletas que cada pneu tem 4,5bar de pressão. Direcção: Este, avenida de Ipiranga.

Ao cruzar com uma coluna de centenas de cavalos e cavaleiros, um deles assusta-se com a bicicleta e salta contra um carro. Parece não ser nada, mas nós paramos e esperamos alguns minutos tirando fotografias. A pista ciclável termina e recomeça mais tarde, até que termina de vez. Circulamos agora na direita de três faixas, com os olhos estrábicos de ver a estrada e o retrovisor ao mesmo tempo. O tráfego é intenso, mas não caótico.

Coluna de cavalos gaúchos
Saída de Porto Alegre para Viamão

Paragem para almoço à beira da estrada, na entrada do parque municipal de Viamão. Há uma mesa à sombra excelente para preparar as sandes. Os funcionários do parque vêm ter connosco ao final da refeição.

No Brasil voltamos a ser pessoas, perguntam donde vimos, onde vamos. Já estávamos cansados quando na Europa apenas olhavam as bicicletas sem sequer dar os bons dias.

Funcionários do parque municipal de Viamão

O campismo da Lagoa Azul em Águas Claras parece-nos caro. O chuveiro e casa de banho é no limite do aceitável. Somos os únicos clientes, mas sem vontade de refazer os 3 km de terra e areia para dormir no café junto à estrada nacional, ficamos. Tomamos banho no lago que inunda a praia e mais tarde subimos à uma pequena torre para captar sinal de telefone e encomendar uns hambúrgueres (que aqui chamam de “Xis” – a ler em sotaque brasileiro) e uma cerveja ao tal café. Nada como ter serviço de entrega num campismo para viajantes que vieram desprevenidos.

Ecoturismo Lagoa Azul em Águas Claras

30.10 – Águas Claras – Lagoa de Bacupari

Agora só há uma faixa em cada sentido, o trânsito mesmo sendo Domingo é elevado e nem sempre a berma é circulável. Ai o estrabismo! É em Caipivari do Sul que viramos para Sul. Aproveitamos para parar no supermercado afim de evitar uma nova surpresa ao final do dia. Tivemos sorte, o supermercado fechou imediatamente à nossa saída (lembram-se da experiência inversa em França…).

Estrada RS-040 até Capivari do Sul

A tarde segue por uma estrada mais calma, ladeada de alguns acampamentos de índios a vender artesanato. Já temos 80 km quando deixamos a estrada principal para virar para o lado do mar, vamos para a lagoa de Bacupari. O empedrado irregular com o vento forte contra apenas permite 6 km/h durante mais de 30 minutos. A lagoa parece um mar, com ondas provocadas pelo vento. Procuramos alojamento. Estamos fora de época e tudo parece fechado. O campismo, à vista dos chuveiros não nos inspira e terminamos na “pousada” da padaria.

Início do empedrado para a Lagoa de Bacupari
Lagoa de Bacupari parece um mar, com o vento forte

Por um preço menor que o campismo da véspera terminamos num minúsculo apartamento não limpo, com cozinha mas sem panelas, com cama mas sem cobertores e uma só almofada pousada sobre o lençol usado! Perguntamo-nos se é normal chegar e ser o cliente a fazer a faxina. Sem resposta, passamos às limpezas. Lavamos o lençol e fronha, utilizamos as nossas panelas para cozinhar a massa com atum e molho de tomate e mais tarde os nossos sacos cama como cobertores.

Quarto na pousada em Lagoa de Bacopari

31.10 – Lagoa de Bacopari – Mostardas

As habitações são cada vez mais raras e a planície com as suas quintas e fazendas ocupam a vista de um lado e outro da estrada. Não há plantações, apenas vacas, cavalos e pássaros – e uma tartaruga que obrigou um camião a um slalom. Um bar e mini-mercado após 20km de estrada são como paragem obrigatória. O bar está fechado. O mini-mercado acolhe-nos e preparam o café com leite e torrada (tosta mista) para estes ciclistas. Sentamo-nos à conversa com o proprietário que fala dos vários congéneres nossos que passam por ali. Abastecemo-nos para o almoço e repartimos.

Tartaruga que conseguiu atravessar a estrada

Paramos numa estação de serviço para almoçar. No banco do parque infantil, à sombra, cozemos pão que comemos com queijo e mel, acompanhado de chá e uma coca-cola fresca.

A cozinhar o pão no fogareiro a benzina

Ainda não são 15h quando chegamos a Mostardas. Uma vilazinha simpática, com ruas empedradas, lojas e vida. Embora o posto de turismo estivesse fechado, o proprietário/porteiro do prédio indica-me os hotéis e preços enquanto a Eva entretém uns jovens que pararam o jogo de futebol para ver as bicicletas. O hotel desta vez é limpo, tem tudo o necessário e até circulação de água quente (na maior parte do Brasil só há água quente no chuveiro, aquecida eletricamente de forma que assusta à primeira vista). Aproveitamos para fazer uma máquina da roupa (estas, no entanto, só lavam a frio) e compras. Jantamos carne com arroz e salada num restaurante, acompanhado de uma cerveja fresca como só no Brasil – o frigorífico marca -4 graus – e uma caipirinha.

Calçadão de Mostardas, RS
Duche típico no Brasil (aqui no quarto em Bojuru). Em Mostardas no hotel Estrela do Mar, havia circulação de água quente e chuveiro sem fios eléctricos.

01.11 – Mostardas – Bojuru

A previsão avisa que choverá à tarde. Nós esperamos chegar a Bojuru antes dela. Em Tavares, 15 km de viagem, bebemos um sumo de laranja e comemos um pão de queijo. Já cheira bem a chuva. Pedalamos, estamos a fazer uma boa média de 18 km/h, mas a chuva apanha-nos. Optimistas que será passageira pomos apenas o impermeável. Chegamos ao destino – uma aldeia – encharcados. A única pousada tenta aproveitar-se da situação. Mesmo descendo o preço 25%, os 60 reais parecem caro para a qualidade do quarto. Ao menos está limpo. Mas não há electricidade devido ao mau tempo. Duche frio, corpo húmido e picnic na cama. Fizemos 80 km antes de almoçar. Enfiamo-nos num café para ter um pouco mais de luz natural, à espera que a electricidade regresse. Volta a meio da tarde. A chuva continua. A electricidade treme, cai, recai, mas volta.  Para jantar somos enviados para o restaurante da vila. Somos os únicos clientes e o dono nem pergunta o que queremos comer. Desaparece na cozinha e passado 20 minutos vem com arroz, batata frita, feijão preto e carne. Não tem as típicas garrafas de 600 ml e em alternativa vem um litro de cerveja para a mesa. Desconfiamos que seria preço fixo. E foi, 40 reais. A chuva volta quando regressamos ao quarto. Fortíssima e com imensos relâmpagos. Não foi preciso esperar muito para que a electricidade desaparecesse. A água da chuva entra por baixo da porta e pelas frestas da janela. Pomos toalhas no chão, e outra em frente à janela e rezamos que não haja inundações na vila.

Diário da América do Sul em bicicleta reclinada – II

3 thoughts on “Diário da América do Sul em bicicleta reclinada – I

  1. Um grande abraço viajantes,desde pelotas no pampa gaúcho,gostaria de ter conversado mais com vocês e uma lastima que não passaram por minha cidade.Podem escreverem quando quiser!

    1. Obrigado Jefferson, foi um prazer falar contigo. Até uma próxima, em Pelotas.

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